Explicação, bastante complexa, do deputado Jean Wyllys sobre o fato de ter posado como Che Guevara nas paginas da Rolling Stones, gera polemica entre os internautas.O que torna bastante confusa esta explicação, é que ao se associar as "fotos clássicas de Che Guevara" como ele mesmo diz, deixa margem para que tudo que tem a ver com Che Guevara seja, também ligado a ele.
E o fato de, repetidamente, chamar aqueles que o criticaram de burros e imbecis, ainda agrava mais a situação.
Classifica, também, os leitores da Rolling Stones de "pessoas instruídas e
com repertório cultural amplo", o que foi visto como uma boa puxada-de-saco por muitos e uma exclusão dos não-leitores para uma categoria de pessoas sem instrução.
Veja abaixo, a explicação do deputado e deixe sua opinião:
Jean Wyllys
A burrice é contagiosa?
(ou Madonna ainda tem muito a nos ensinar)
Uma amiga minha, atriz famosa, encerrou há pouco uma conversa comigo por telefone. Contou-me que um conhecido seu - "gente boa, mas de direita e eleitor de Aécio", segundo ela - aconselhou-a a não me convidar para uma ação cultural porque eu posei como Che Guevara para uma matéria da Rolling Stone e porque "Che Guevara era homofóbico".
Bom, eu já havia dito numa entrevista, quando questionado sobre essa foto, que eu lamento que muitas pessoas estejam perdendo a capacidade de interpretar imagens (devido à evidente e crescente pobreza de repertório cultural) e estejam caindo fácil em infra-interpretações paranóicas de imbecis de ultra-direita com colunas em revistas semanais.
Quando o editor de Rolling Stone, o repórter e eu nos propusemos a fazer o ensaio inspirado nas fotos clássicas de Che Guevara, nós tínhamos várias provocações aos leitores da revista (pessoas instruídas e com repertório cultural amplo) em mente:
1. O editor e o repórter enxergavam meu mandato e atuação política como "revolucionários" (no sentido de que subvertem as formas tradicionais de fazer política e as representações habituais da homossexualidade); então, sugeriram que eu encarnasse a figura de um revolucionário que fosse de fácil identificação pela maioria das pessoas; facilmente reconhecido por esta;
2. Ora, nenhum revolucionário se tornou mais pop do que Che Guevara por meio de seus retratos clássicos que acabaram virando estampa de camisetas em paraísos de consumo capitalistas; então, para que os leitores identificassem, de imediato, a ideia de "revolução" no ensaio de Rolling Stone, o melhor era que reproduzíssemos essas fotos de Che Guevara (e não as de Harvey Milk, que era o plano B justamente por não ser um ícone de fácil identificação);
3. Não bastasse Che Guevara ter se tornado um ícone pop, ainda havia o fato de que ele é um ícone da revolução e esquerda socialistas na América Latina. Como eu pertenço a um partido de esquerda e socialista (o PSOL), nada mais adequado para passar a ideia de um mandato revolucionário do que reproduzir esse ícone;
4. Acontece que Che Guevara é o macho-alfa da esquerda socialista, que, assim como a direita capitalista, está eivada de homofobia (países ditos "socialistas" aplicaram penas de trabalhos forçados e morte a homossexuais da mesma forma que países capitalistas membros da ONU consideram crime atos homossexuais entre adultos - não nos esqueçamos de que foi na Inglaterra vitoriana que Oscar Wilde foi julgado e condenado por sua homossexualidade); e eu sou um gay assumido e orgulhoso de minha homossexualidade;
5. O fato de eu encarnar o ícone Che Guevara, portanto, era uma maneira de provocar a direita e a esquerda - e aí está o "algo mais" que esperávamos que as pessoas inteligentes fossem capazes de captar:
5.1. a direita se irritaria pelo fato de um gay encarnar a figura do homem cuja revolução socialista - norteada pela ideia de justiça social e pela defesa dos fracos e oprimidos contra a exploração por parte dos ricos egoístas e gananciosos - não foi capaz de ser sensível à condição homossexual;
5.2. já a esquerda, eivada de homofobia, irritar-se-ía pelo fato de ver justo um gay assumido encarnando uma figura idolatrada por sua virilidade e coragem na condução de uma revolução que libertou os fracos e oprimidos da exploração econômica - a ideia da foto era levar ambos os espectros políticos a refletirem sobre a homofobia comum a eles;
6. Nossa intenção era seguir os passos de Madonna, a diva da música pop americana adorada por onze entre entre dez homossexuais que - a despeito disso e de ser um ícone da sociedade de consumo e da moda - encarnou a figura de Che Guevara em foto e clipe com o mesmo espírito respeitoso e crítico com que interpretou Evita em filme homônimo em que Che Guevara também é um personagem.
Os gays de repertório cultural estreito que, seguindo a infra-interpretação do colunista ignorante e paranóico "anti-comunista" da revista marrom, atacaram-me com insultos por causa da foto como Che Guevara também insultaram Madonna pelo mesmo motivo? Ou seu estreito repertório cultural aliado à dificuldade em interpretar imagem os impediu de identificar a referência a Che Guevara na foto da nossa diva pop? Ou gel de cabelo imbeciliza alguns?
Será que o conhecido de minha amiga atriz também condenou o cineasta Walter Salles por ter feito um filme - "Diários de motocicleta" - baseado nos escritos e em episódios da vida do jovem Che Guevara? Será que falou mal do ator Gael García Bernal por ter encarnado o revolucionário no mesmo filme? Será que o conhecido de minha amiga atriz, o colunista ignorante e paranóico e os gays que só têm gel na cabeça insultaram o cineasta Steven Soderbergh pela realização do filme "Che" e o ator Benício del Toro por interpretá-lo?
O argumento de que "Che Guevara era homofóbico" além de empobrecer uma rica biografia e de simplificar uma personalidade complexa - e só ignorantes são capazes desse reducionismo constrangedor - não leva em conta que em sociedades capitalistas como a nossa e dos EUA os homossexuais são vítimas não só de discursos de ódio mas de homicídios numa proporção assustadora (aqui, no Brasil, aproximadamente um homossexual ou transexual é morto por dia em decorrência de sua orientação sexual ou identidade de gênero); e que, nessas sociedades, os poucos avanços na cidadania LGBT só existem por causa da luta incessante de ativistas de todos os espectros políticos e da minha luta em especial.
Da mesma forma que no caso da tagarelice ignorante acerca do "bolivarianismo" (há quem fale mal do bolivarianismo sem saber do que se trata), as pessoas que me insultam por causa da foto em Rolling Stone deveriam voltar aos livros de História - se é que um dia passaram por eles - e buscar conhecimento e ampliação do repertório cultural, pois só isso poderá lhes livrar dessa doença ao que tudo indica contagiosa chamada burrice.
Viva a Modonna e Che Guevara!
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