Aqui eu, simplesmente, falo de tudo, posto de tudo, me sinto livre pra me expressar de acordo com meu dia porque, afinal, eu sou Meio Ligado.
04 janeiro, 2013
Pelo cancelamento da Redação do Enem 2012
Por André Forastieri
Os estudantes que foram mal na prova de redação do Enem exigem revisão. O Exame Nacional do Ensino Médio de 2012 teve quatro milhões, centro e treze mil e quinhentas e cinquenta e oito redações avaliadas. Destas, cerca de 75 mil foram entregues em branco, e 72 mil foram anuladas por motivos diversos (como, por exemplo, escrever menos que as sete linhas exigidas).
Do total das redações, 76,32% foram avaliadas por dois corretores, 20,1% por três corretores, e destas, 2,43% por uma banca extra. Como é feita a avaliação das redações? Por 5.683 corretores, que passaram por dois treinamentos - um geral, e outro específico para ajudar na análise do tema da prova.
E mesmo assim, candidatos acionam o ministério público federal para terem direito de vista à redação. Uma petição com mais de nove mil assinaturas coletadas pela internet bancam a representação. E no Rio, uma estudante conseguiu da justiça o direito de ver a correção de sua redação. Há movimentos pelas ruas, passeatas, protestos em doze capitais. E um grupo no Facebook, chamado Ação Judicial - Redação Enem, já tem 27 mil membros.
Segundo o MEC, a avaliação leva em conta os seguintes itens: compreensão da proposta, domínio da norma padrão da língua escrita, e a capacidade de selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista. É evidente que a maioria dos jovens do mundo, e aliás dos adultos, não tem a menor condição de fazer isso. Muito menos os brasileiros, considerando o patamar quarto-mundista de nossa educação pública e particular.
O que o MEC exige é que ao final do terceiro ano do ensino médio nossos jovens tenham aprendido a pensar por si próprios, e defender o que pensam por escrito. É mais que pedir demais. É bobagem, porque a maioria das faculdades e dos empregos não exige pensamento independente, nem saber escrever. Sempre foi assim e assim continua sendo; quem sabe um dia muda; não vejo sinais no horizonte. Se algum insensato quiser aprender o beabá da redação, este blog, imodestamente, tem umas dicas (leia mais aqui).
Não sei quase nada na vida, mas vivo de escrever há quase um quarto de século, aprendi, e ensino grátis. Não tem segredo. É fácil escrever direito e é muito difícil escrever magnificamente. Como nossas escolas não ensinam nem um nem outro, esta exigência do MEC é um insulto. Por isso, os alunos têm mais que o direito de exigir a vista das correções; têm direito de pedir o cancelamento da prova.
Neste Enem de 2012, o MEC propôs como tema da redação um assunto que não está na imprensa, não preocupa ninguém, não faz parte do currículo escolar, e certamente jamais passou pela cabeça de 99,99% dos brasileiros: a imigração para o Brasil no Século 21. O tema deste ano foi defendido pelo ministro da educação, Aloísio Mercadante: "é um tema bastante contemporâneo, desafiador e não previsto." E é mesmo tudo isso. O ministro não percebe que a razão de seus elogios é justamente o motivo de tanta crítica. Nossa escola não é contemporânea, não desafia os alunos, e valoriza a decoreba, não a reflexão.
Uma professora de uma escola pública modelo, dessas que aparecem em propaganda no horário político, me contava esses dias: lá não tem e nunca teve papel higiênico para os alunos. A Associação de Pais e Mestres é que tem que bancar. O papel que o estado manda é só para os traseiros de professores e funcionários.
Já dinheiro para computador, há bastante. Mas a escola não precisa de mais PCs. A urgência é tirar os computadores entregues há um ano de suas caixas. Eles estão mofando. Precisa instalar, e treinar os professores para utilizá-los. Os professores também gostariam de poder escolher livros à altura de seus alunos. E não ter que encomendar algum do menu disponível, sempre pobre, sempre conservador, sempre das mesmas editoras e autores. Ah, e seria bom ter uma marmiteira, para que os alunos possam esquentar seus almoços, em vez de comer tudo frio. E por aí vai...
Isso é em uma escola modelo em São Paulo, imagine nos cafundós do Maranhão. E dos alunos assim formados se exige que saibam construir um ensaio com começo, meio e fim? É justo exigir de nossos jovens o que não demos a eles, e, pá de cal, o que o ensino superior e o mercado de trabalho não exigem? A única resposta justa é não.
Fonte: R7
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