“Para ser capaz de realmente ouvir, a
pessoa deve abandonar ou pôr de lado todos os preconceitos (...). Quando você
está em um estado mental receptivo, as coisas podem ser facilmente
compreendidas (...). Mas, infelizmente, a maioria de nós ouve através de uma
tela de resistência. Somos cobertos por preconceitos, quer religiosos, quer
espirituais, psicológicos ou científicos; ou por preocupações, desejos e
temores diários. E com esses temores como tela, ouvimos. Portanto, na
realidade, ouvimos nosso próprio ruído, nosso próprio som, não aquilo que está
sendo dito”.
Krishnamurti,
A primeira e última liberdade
A sabedoria popular eternizou um dos jargões mais conhecidos
no que se refere à comunicação entre os seres humanos: temos dois ouvidos e
apenas uma boca; portanto, devemos ouvir mais e falar menos. Não obstante esse
conhecido alerta, existe uma grande carência na prática do ato de ouvir nas
comunicações humanas.
Margaret Wheatley em seu livro Conversando a gente se
entende (2003: 102/103), salienta que o ato de ouvir é um dos mais simples e
curativos dos atos humanos. E acrescenta: “Ouvir alguém. Simplesmente ouvir.
Não aconselhar nem orientar, mas ouvir silenciosamente, totalmente. (...) Por que
ser ouvido tem tanto poder de cura? Não sabemos qual é a resposta completa a
essa pergunta, mas sabemos que tem algo a ver com o fato de que ouvir cria uma
relação”.
E a relação é a tendência natural da vida. Estamos nesse
mundo interconectados com o Universo. Nada está isolado, independente. Formamos
uma imensa teia; no dizer de Fritjof Capra, a teia da vida. Portanto, é a
partir das relações que tudo toma forma e nada que é vivo consegue se manter
sozinho, mesmo que no conturbado mundo moderno estejamos cada vez mais
afastados uns dos outros. Ainda assim, a nossa condição
natural
nos conduz ao encontro, aos vínculos, às relações!
Os vínculos se estabelecem a partir do processo de
comunicação. Por esse motivo, todos nós temos histórias a contar, mas se ninguém
nos ouve, contamos a nós mesmos, e então começamos a nos isolar e a solidão
pode se transformar em loucura.
O ato de ouvir propicia o encontro, nos aproxima, nos torna
mais íntegros e mais saudáveis. Por outro lado, não ouvir nos afasta, nos
isola, nos fragmenta, e a fragmentação sempre provoca dor, sofrimento. Quantas
pessoas se queixam de que ninguém os ouve? Quantos clientes atualmente, em
muitas organizações, se queixam também dos mesmos motivos?
Quando isso acontece, nos sentimos ignorados e marginalizados
e a tendência é nos juntarmos a outros para aumentar as probabilidades de
sermos escutados. Talvez por esse motivo estejamos vivendo uma era tão
barulhenta e o aumento da intensidade da voz tenha uma relação direta com a
nossa necessidade de ser ouvido.
É um fato que as pessoas estão literalmente clamando por
atenção e farão o que for preciso para serem percebidas, para serem ouvidas.
Assim, as coisas poderão ficar bem mais estridentes até que descubramos um modo
de parar e ouvir os outros.
É ouvindo que abrimos uma porta para que o mundo entre. O
que, a quem e como ouvimos emoldura a nossa percepção da realidade.
Segundo Linda Ellinor e Glenna Gerard (1998:148) “ouvir pode
ser o ato criativo mais poderoso que desempenhamos; ouvimos e criamos realidade
com base no que ouvimos a cada momento. (...)[Por esse motivo], torna-se
importante questionarmos sobre a maneira pela qual ouvimos. Estamos ouvindo a
partir de nossa história passada, de nossos preconceitos (pré-julgamentos), do
que já sabemos ser verdadeiro e certo ou a partir da curiosidade e do desejo de
expandirmos nossos horizontes, de vermos a partir de novas perspectivas?”.
Confúcio, um dos grandes sábios da antiguidade oriental,
disse: “escutai com atenção o que o outro tem para dizer e serás capaz de ouvir
além das palavras”. Saber ouvir exige quase sempre esforço reeducativo, pois
somos muito mais condicionados a falar e só ouvir o que julgamos ser do nosso
interesse.
Quando ouvimos atentamente uma pessoa, ou seja, quando
praticamos a escuta ativa, estamos na verdade focados em duas partes distintas
de sua mensagem:
Ä Em um primeiro momento, estamos ouvindo o seu conteúdo, ou
seja, prestando atenção nas palavras que são verbalizadas.
Ä Em um segundo momento, a atenção é voltada para o sentido
das palavras. O que está por trás do que é falado? O tom de voz, a expressão
corporal; em outras palavras, estamos ouvindo também o significado da mensagem,
que nem sempre é um conteúdo explícito.
As Dimensões da
Escuta Ativa
Inspirado no pensamento de Nilton Bonder (O Segredo Judaico
de Resolução de Problemas; 1995), é possível identificar três dimensões no
processo da escuta ativa: o aparente do aparente, o oculto do aparente e o
aparente do oculto.
O aparente do aparente
diz respeito à dimensão do óbvio e do concreto. É o que é facilmente ouvido,
percebido, entendido, mensurado e quantificado. No entanto, “um perigo
constante ronda a dimensão do óbvio e do concreto. Trata-se da possibilidade de
se perder a compreensão de que o aparente do aparente é sempre a representação
de uma redução quando percebido através da perspectiva da existência. Reside aí
o embrião da confusão e da expectativa de que tudo possa ser reduzido a esta
estrutura tão confortavelmente perceptível pela mente humana” (Bonder, 1995:17/18).
Associando com a metáfora de um iceberg, o aparente do aparente é a parte que
não está submersa na água.
Um ouvinte descuidado costuma concluir que o aparente do
aparente traduz todas as expectativas de um cliente; entretanto, aquele que
pratica a escuta ativa entende que essa dimensão é, muitas vezes, insuficiente
para esse fim.
A dimensão oculto do
aparente reflete o que está por trás do aparente e que pode ser percebido
desde que seja buscado. Convém ressaltar que em momento algum esta dimensão propõe
algo que não possa ser categorizado como óbvio, mas sim, que este óbvio
encontra-se numa condição de oculto. Em geral, a descoberta de algo oculto do
aparente gera em nós uma grande surpresa: como é que não percebemos antes?
Nas comunicações, o oculto do aparente costuma se manifestar
sob vários aspectos, dentre eles, pelo tom de voz, pelas reações, pela
linguagem corporal e pelo não verbal.
A terceira dimensão é conhecida como aparente do oculto e corresponde àquilo que é percebido, mas não se
sabe como explicar. Estamos no campo da intuição e pode ser exemplificada
quando, mesmo faltando dados concretos, desconfiamos que uma pessoa possa não
estar falando a verdade.
Outro exemplo é quando entrevistamos um cliente que pretende
fazer um empréstimo e, apesar dos sistemas de consulta nada registrarem de
desabonador, algo nos diz que
aquela operação pode gerar uma futura inadimplência se for concedida.
O aparente do oculto é um mergulho na subjetividade e pode
se manifestar pelo olhar, pelo gesto, por uma expressão, entre outras formas.
Retornando à metáfora do iceberg, pode ser feita uma analogia
com a parte que está submersa; não está aparente e não percebemos a sua
profundidade, mas sabemos que ela está lá.
A identificação e compreensão dessas dimensões ampliam a
nossa capacidade de escuta ativa, porém, somente se efetiva com a existência do
vínculo com o outro, que pode ser estabelecido a partir da escuta ativa.
Ao praticar uma escuta ativa, portanto, aumentaremos as
probabilidades de compreender o Cliente e, a partir desse entendimento,
poderemos atender a suas necessidades, estabelecendo com ele um vínculo
sustentável para a continuidade dos negócios e o fortalecimento da relação.
Referências Bibliográficas:
BONDER, Nilton. O Segredo Judaico de
Resolução de Problemas. 9ª Edição. Rio de Janeiro: Imago Editora Ltda,
1995.
ELLINOR, Linda e GERARD, Glenna. Diálogo
– redescobrindo o poder transformador da conversa. São Paulo: Futura, 1998.
WHEATLEY, Margaret J. Conversando a
gente se entende. São Paulo: Cultrix, 2003.
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